Alguém trocaria 16 hospitais por um estádio de futebol? O itaquerão vale...

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Os 39 vereadores que aprovaram o incentivo fiscal ao Itaquerão argumentam que “toda a Zona Leste vai ganhar com a obra”

 Terreno onde será construído o Estádio do Corinthians, mais conhecido como Itaquerão, São Paulo (SP)

Terreno onde será construído o Estádio do Corinthians, mais conhecido como Itaquerão, São Paulo (SP) (Fernando Cavalcanti)

Embora céticos, os moradores de Itaquera – a grande maioria formada porcorintianos militantes – tentam acreditar que o poder público não vaidesperdiçar mais essa oportunidade de investir numa área da periferiada cidade
 
Poderiam ser 400 unidades de educação infantil, 100 escolastécnicas, mais de 40 quilômetros de corredores de ônibus, 16 hospitaisbem equipados, 1.400 pistas profissionais de atletismo, 820 aparelhosde Raio X de última geração, ou 10.500 casas populares. Será um estádiode futebol.
Depois de passarem meses garantindo que não haveria um centavo dedinheiro público em estádios para a Copa do Mundo de 2014, foi essa adecisão do prefeito e do governador de São Paulo. Juntos, resolverambrindar a Odebrecht e o Corinthians com 510 milhões de reais. Como ocusto total da obra é estimado em 890 milhões de reais, cada uma das 68mil cadeiras do Itaquerão (como é conhecido o estádio do Corinthians)custará 13.088,23 reais.
Há 32 anos, Anilton Darci Ribeiro nasceu em Itaquera. A casa ondemora com a mulher e o filho, a dois quilômetros do local do futuroestádio, tem dois quartos, cozinha, sala, banheiro, área de serviço eum riacho de esgoto a céu aberto que corre no quintal. A prefeituraalega que não tem dinheiro para a canalização.
Há 16 anos, Diana do Nascimento chegou do Ceará e instalou-se naFavela da Paz, ocupada por 400 famílias a menos de um quilômetro doestádio. Ali, as casas são de papelão, as instalações elétricas sãoclandestinas e o crack extermina um adolescente por semana. No projetodo Polo Institucional Itaquera, plano urbanístico que teve suasdiretrizes aprovadas em agosto de 2008, está previsto que o ParqueLinear Rio Verde será construído dentro do terreno onde hoje está acasa de Diana. Ela nunca ouviu falar disso. Tampouco recebeu a visitade um agente de saúde, de um assistente social, nem de funcionários dogoverno. O que mais queria era a instalação de um semáforo na AvenidaMiguel Inácio Curi para que seus filhos chegassem à escola comsegurança. Há um mês, pintaram uma faixa de pedestres que os carrosinsistem em não respeitar.
Francisco Carlos da Silva treina mais de 50 crianças na pista de 200 metros que pintou no asfalto da Rua Nicolino Mastrocola, em Itaquera
Francisco Carlos da Silva treina mais de 50 crianças na pista de 200 metros que pintou na Rua Nicolino Mastrocola, em Itaquera
Há 13 anos, Francisco Carlos da Silva fundou a Associação Esportivae Cultural Kauê a 2,5 quilômetros do local onde está sendo erguido oItaquerão. Na pista de corrida de 200 metros que pintou no asfalto daRua Nicolino Mastrocola, mais de 50 crianças e adolescentes treinam àssegundas, quartas e sextas-feiras. As terças e quintas são reservadas àterceira idade, que também tem aulas gratuitas de computação. Entreoutros atletas descobertos por Fran – como gosta de ser chamado – estáRafael Soares Santeramo, o Galego, campeão brasileiro juvenil nos 1.500metros. Galego é hoje atleta do Clube Pinheiros. Fran, sem ganhar 1real, continua garimpando “talentos da periferia” e sonhando com umapista de atletismo. “Não precisa ser profissional”, faz questão deavisar desde que a Secretaria Municipal de Esportes resolveu orçar osonho de Fran em 300.000 reais. Ele tem certeza era possível fazer pormenos, mas ninguém da prefeitura voltou para discutir o assunto.
Dos 890 milhões de reais destinados à construção da arena, 400milhões de reais serão emprestados pelo BNDES, com juros subsidiados.Outros 420 milhões de reais virão da prefeitura e, 70 milhões de reais,serão destinados pelo governo do estado a uma arquibancada móvel de 20mil lugares, que permitirá ao Itaquerão comportar um público de 68 milpessoas – como exige a FIFA para estádios que almejam sediar a aberturada Copa. Embora maquiados por nomes como “Certificados de Incentivo aoDesenvolvimento” e “isenção fiscal”, toda essa bolada tem a mesmafonte: o dinheiro público.
As contrapartidas - O principal argumento dos 39vereadores que aprovaram o donativo ao Itaquerão é que “toda a ZonaLeste vai ganhar com o estádio”. Os 15 contrários ao Projeto de Lei288/2011 têm dúvidas a respeito. “Em 2004, aprovamos o Programa deDesenvolvimento Econômico da Zona Leste e ele ainda não saiu do papel”,lembra Cláudio Fonseca, líder do PPS na Câmara Municipal. “Não aceitoque o dinheiro público seja investido em um empreendimentoexclusivamente privado. Nada garante que esses 420 milhões de reaisresultarão em incentivos para aquela região. Com esse dinheiro, seriapossível construir, por exemplo, mais de 400 creches que atenderiamcerca de 200 crianças cada uma”.
Em troca de um estádio de quase 1 bilhão de reais, o Corinthiansterá que investir 12 milhões de reais em programas sociais na região.De acordo com uma nota da prefeitura, “a Secretaria Municipal dePlanejamento ainda está definindo como este investimento será utilizadoe quais secretarias ou entidades serão beneficiadas”. O clube poderáconcluir um terço dessas ações até seis meses depois da Copa de 2014.As demais, até 2019.
Não há nenhuma grande exigência para a Odebrecht. O únicocompromisso da empresa é arcar com 1% do valor das obras mitigadoras deimpacto no trânsito que será gerado pelo estádio.
Anilton Darci Ribeiro e Adriana de Aro Lima, moradores de Itaquera
Anilton Darci Ribeiro e Adriana de Aro Lima, moradores de Itaquera, aolado do riacho de esgoto que corre no quintal da casa onde moram
Os possíveis investimentos - Em compensação, oprefeito e o governador de São Paulo prometeram tornar reais o Programade Desenvolvimento da Zona Leste, que existe desde 2004, e o PoloInstitucional de Itaquera, no papel desde 2008. O primeiro prevê, entreoutras obras, novas alças de ligação no cruzamento das avenidas JacuPêssego com a Nova Radial; uma nova avenida de ligação Norte-Sul, notrecho entre a Avenida Itaquera e a Nova Radial; uma avenidaarticulando a ligação Norte-Sul com a Avenida Miguel Inácio Curi; e aadequação viária no cruzamento das avenidas Miguel Inácio Curi eEngenheiro Adervan Machado. Ao todo, governo e prefeitura planejaminvestir 478,2 milhões de reais no programa, sendo 345,9 milhões doestado e 132,3 milhões do município.
Hoje, a Radial Leste, principal acesso à Itaquera, é a quarta viamais movimentada de São Paulo no período da manhã, e a campeã delentidão durante a tarde. Pela estação Corinthians-Itaquera do metrô, aquarta mais movimentada da capital, passam 200 mil pessoas por dia.Para a Copa do Mundo, está previsto, de acordo com o governo, “oaumento da capacidade e a modernização da infraestrutura existente” dometrô e dos trens da CPTM que abastecem a região.
O Polo Institucional lista, entre outros projetos, a construção denovas Fatecs, um terminal rodoviário, um parque tecnológico, um centrode convenções e eventos, um novo batalhão da Polícia Militar e umaunidade da entidade filantrópica Obra Social Dom Bosco. Também estãoprevistas a ampliação do Fórum Judiciário, a instalação de uma unidadedo Senai e a criação do Parque Linear Rio Verde, uma gigantesca área delazer que interligará o Rio Verde ao Parque do Carmo.
Levi Bianco/News Free/Folhapress
Parque do Carmo, Itaquera
Parque do Carmo, Itaquera
Com quase meio milhão de habitantes, Itaquera é um dos poucosbairros paulistanos que ainda contam com dezenas de metros quadrados deáreas verdes desocupadas. “É uma oportunidade única para se pensar umambiente aprazível não só para os dias de jogos”, observa o arquiteto eurbanista Kazuo Nakano, do Instituto Pólis. “É preciso pensar o estádioinserido dentro do bairro e não como uma coisa isolada. As áreas vaziaspossibilitam um planejamento do entorno”. Nakano chama a atenção para aimportância da instalação de parques, centros culturais, erestaurantes. “Com isso, quem sabe alguém não se interessa em construirali um centro de convenções”, anima-se. “Normalmente temos oplanejamento, sem a previsão concreta de investimentos. Agora, pelaprimeira vez, temos o dinheiro antes de tudo. Não podemos desperdiçar aoportunidade de um bom planejamento”.
Nos mais de 55 quilômetros quadrados de Itaquera existem hoje 10Assistências Médicas Ambulatorias (AMAs), um hospital municipal, cincoescolas municipais de ensino fundamental, dois parques, 11 escolasmunicipais de educação infantil e 23 Unidades de Básicas de Saúde(UBS). Pode não ser pouco, mas está muito longe do ideal. “Itaqueraainda é um bairro dormitório”, diz Francisco Carlos da Silva, nascido ecriado na Zona Leste. “Temos carências nas áreas de saúde, educação,transporte. Vivem falando da cracolândia da região central de SãoPaulo. Temos 20 pequenas cracolândias por aqui”.
Na mira da Justiça - A forma como foi feita anegociação entre o poder público, a Odebrecht e o Corinthians, gerouduas ações no Ministério Público de São Paulo. A primeira investiga se,ao conceder isenção fiscal de R$ 420 milhões de reais para a construçãode um estádio privado, a prefeitura estaria cometendo improbidadeadministrativa. A segunda está sendo analisada pelo promotor deHabitação e Urbanismo José Carlos de Freitas. Ele quer saber quais osreais impactos sociais que a construção vai causar na região edescobrir por que a Companhia de Tecnologia e Saneamento Ambiental(Cetesb) concedeu licença ambiental à obra sem exigir, segundo opromotor, “um profundo estudo de impacto ambiental”.
“É preciso saber qual o impacto social para a população de baixarenda”, argumenta Freitas. “Ninguém disse quantas casas serãodesapropriadas, nem para onde essas pessoas serão removidas”.
Quanto à questão ambiental, a prefeitura afirmou, por meio de nota,que a primeira etapa do processo – o Relatório de Impacto de Vizinhança(RIVI) – foi aprovada pelos técnicos responsáveis da Secretaria doVerde e do Meio Ambiente e da Câmara Técnica do Conselho Municipal deMeio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável. Até a semana passada, aCetesb não havia mandado para o Ministério Público a documentaçãopedida. Freitas avisa que a investigação não tem prazo para terminar.
A população - Embora céticos, os moradores deItaquera – a grande maioria formada por corintianos militantes – tentamacreditar que o poder público não vai desperdiçar mais essaoportunidade de investir numa área da periferia da cidade. O poderpúblico quer manter essa confiança. Segundo o município, entre asbenesses imediatamente ligadas à arena estão a criação de 700 empregos– 200 permanentes e 500 nos dias de jogos e eventos –, a valorização domercado imobiliário, e a geração de receita de 442 milhões de reais até2014 ligada a eventos esportivos.
Pelo menos a especulação imobiliária já começou. CláudiaSantorsula, corretora da Renascer, uma das imobiliárias mais antigas deItaquera, conta que os apartamentos da Cohab – localizados bem ao ladode onde será erguido o estádio –, antes vendidos a 95.000 reais, agoraestão custando 135.000 reais. Casas em condomínios fechados avaliadasem 150.000 reais subiram para 230.000 reais. “O problema é que a rendada população ainda não acompanhou a valorização”, observa Cláudia. “Porisso as vendas diminuíram bastante nos últimos meses”.
Franklin Rusig, proprietário da imobiliária Rusig, confirma. “Houveum aumento de cerca de 30% no preço dos imóveis da região”, conta. “Masa procura baixou. Muitos clientes também desistiram de vender seusterrenos, dizendo que preferem esperar a Copa do Mundo para ver se elesvalorizarão ainda mais”.
O governo informou que, nos últimos anos, a Secretaria de Educaçãoinvestiu 7 milhões de reais em programas de reformas e melhorias nas 23escolas estaduais da região de Itaquera, e 2 milhões de reais – desde2007 – na Escola Técnica do bairro. Também foram 38 milhões de reaisentre verbas de custeio e folha salarial da USP Leste. A soma equivalea 11% do valor que será destinado a um estádio de futebol.
Toni Pires/Folhapress
Vista aérea do parque aquático do Sesc Itaquera, na zona leste de São Paulo
Vista aérea do parque aquático do Sesc Itaquera, na Zona Leste de São Paulo, uma das poucas opções de lazer da região

 (fonte:veja) Iran SPFC

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